Por Salézio Dagostim*

 

Ao aprovar a Lei orçamentária para o ano de 2021 (LOA), o Congresso Nacional recebeu diversas críticas em relação aos artifícios utilizados para alocar recursos, de acordo com os interesses dos parlamentares, no orçamento aprovado. Estes artifícios foram chamados de “manobras contábeis” ou de “contabilidade criativa” pela imprensa brasileira.

Em defesa da contabilidade, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) divulgou uma nota de esclarecimento, afirmando que não existe “contabilidade criativa”, sendo falsa a designação usada pela mídia para classificar tais manobras. Disse, também, que a contabilidade não modifica fatos ou atos de governo, mas que promove o reconhecimento destes e seus impactos na situação econômica/fiscal, financeira e patrimonial dos entes públicos. Além disso, que a contabilidade pública brasileira está alinhada aos melhores padrões mundiais, utilizando as Normas Internacionais de Contabilidade para o Setor Público (IPSAS), e que, em razão disto, repudia que os fatos noticiados sejam atribuídos à contabilidade e aos profissionais contábeis.

O que pretendemos afirmar com este escrito, ao contrário do que diz o CFC, é que existe, sim, a chamada “contabilidade criativa”, e que a razão da existência desta contabilidade de “gerenciamento de resultados” ou “contabilidade criativa” é da competência do próprio CFC, que abriu mão dos Princípios e Normas Contábeis Brasileiras para adotar os padrões conhecidos como IFRS (Normas Internacionais de Relatório Financeiro) editadas pelo IASB (Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade), onde a normatização contábil é baseada em “princípios subjetivos”, e não em “regras objetivas”; onde a visão legalista é ignorada, e, em seu lugar, são inseridos conceitos questionáveis para os elementos dos ativos e passivos e as suas mensurações. Este subjetivismo baseado na “essência sobre a forma” opera como se todas as pessoas envolvidas na elaboração das demonstrações contábeis fossem profissionais honestos, éticos e capazes de fazer um julgamento ou de tecer uma estimativa justa, desprovida de interesses particulares. Os pronunciamentos IFRS acatados pelo CFC, sem a devida ratificação dos contadores brasileiros, fazem com que as leis brasileiras sejam descumpridas, estimulando a desobediência civil, pois o Conselho exige dos profissionais o cumprimento de normas e conceitos que contrariam a lei. Como exemplo, podemos citar os conceitos de ativo, passivo, despesas, receitas e custos, além da forma de ajustar os elementos que formam o patrimônio e a maneira de estruturar as demonstrações contábeis.

A “contabilidade criativa” foi implantada no Governo Lula, em 2007, com a aprovação da Lei 11.638, da Lei 11.941, de 2009, que modificou a Lei das Sociedades Anônimas, e com a Lei nº 12.249, de 2010, que introduziu modificações no Decreto-Lei nº 9.295/46, estabelecendo novas atividades para o Conselho Federal de Contabilidade. Neste cenário, a “contabilidade criativa” diz respeito à manipulação das informações contábeis com a finalidade de apresentar uma imagem melhorada da situação do agente econômico ou social para satisfazer as partes interessadas neste agente, aproveitando brechas nas definições (imprecisas) contidas nos pronunciamentos aprovados por aqueles órgãos “internacionais”. Tudo isso com o apoio e o incentivo do Conselho Federal de Contabilidade.

Portanto, a nota de esclarecimento do Conselho Federal de Contabilidade que afirma que não existe “contabilidade criativa” não procede. Foi o próprio CFC que deu margem a este tipo de contabilidade ao apoiar a aprovação das leis 11.638/07, 11.941/09 e 12.249/10 e os pronunciamentos IFRS editados pelo IASB, a despeito das críticas dos próprios profissionais contábeis brasileiros. Ao ignorar os alertas dos contadores brasileiros, deixando de participar de debates e discussões sobre os assuntos técnicos e científicos da contabilidade, o Conselho acabou por privilegiar um órgão do qual não se sabe quem são os membros (se pessoas físicas ou entidades) e de que países são oriundos, qual a sua composição ou como a sua diretoria é eleita.

*Salézio Dagostim é contador; pesquisador contábil; professor da Escola Brasileira de Contabilidade (EBRACON); autor de livros de contabilidade; fundador e ex-presidente do Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul e da APROCON CONTÁBIL-RS; presidente de honra da Confederação dos Profissionais Contábeis do Brasil – APROCON BRASIL, e sócio do escritório contábil estabelecido em Porto Alegre (RS), Dagostim Contadores Associados, à Rua Dr. Barros Cassal, 33, 11º andar. E-mail para contato: salezio@dagostim.com.br.

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