Por Salézio Dagostim*

É através das demonstrações contábeis que as pessoas jurídicas comprovam a existência de seu patrimônio, viabilizando, assim, a realização dos seus negócios. Os resultados econômicos destas entidades, porém, podem sofrer manipulação conforme as técnicas utilizadas nos ajustes dos elementos dos ativos e passivos. Para dar segurança jurídica aos contadores na aplicação das técnicas de ajustes, e também para que terceiros conheçam as finalidades dos bens, direitos e obrigações (elementos que formam o patrimônio dos agentes econômicos e sociais), o Estado definiu como este documento deve ser elaborado e como os ativos e passivos devem ser ajustados, conceituando os seus elementos estruturais. Desta forma, o contador, ao elaborar estas demonstrações contábeis, passa a ter um documento objetivo, que irá lhe dar sustentação jurídica.

Os documentos legais que definem a forma de elaboração e ajuste das demonstrações contábeis são os seguintes: lei 6.404/76, capítulos XV e XVI;  decreto-lei 1.598/77;  decreto 9.850/2018 – Regulamento do Imposto de Renda; lei 4.320/64; e Código Civil, arts. 1.179 a 1.195. Além destes, a lei 12.249/10 delegou competência ao Conselho Federal de Contabilidade para editar as Normas Brasileiras de Contabilidade.

Assim sendo, é através da lei 6.404/76, art. 179, que foi estabelecido como o Ativo Não Circulante será composto, com a sua respectiva conceituação. Segundo este dispositivo, o Ativo Não Circulante é composto por Ativo Realizável a Longo Prazo, Investimentos, Imobilizado e Intangível. A lei definiu também as características das contas que compõem cada um destes grupos.

Segundo o inciso III do art. 179 da Lei 6.404/76, “Investimentos” são “as participações permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no Ativo Circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa”. Então, para que o contador possa classificar as contas neste grupo de Investimentos, elas precisam ter as seguintes características: 1ª) As participações em outras pessoas jurídicas precisam ser “permanentes”, ou seja, elas não podem ter sido adquiridas para a venda, porque se forem destinadas à venda seriam classificadas no Ativo Circulante; 2ª)  Os direitos de qualquer natureza não devem ser classificados no ” Ativo Circulante”, nem no “Ativo Realizável a Longo Prazo”. Ativo Realizável a Longo Prazo é aquele ativo que tem prazo definido para a sua realização após o término do exercício seguinte, e os derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas, diretores, acionistas ou participantes no lucro da companhia que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da empresa; 3ª) Ativos que não se destinam à manutenção da atividade da companhia ou da empresa, pois, se tiverem estas características, serão classificados como Imobilizado.

Para uma conta ser considerada “INVESTIMENTO”, ela precisa ter as características estabelecidas no inciso III do art. 179 da lei 6.404/76, de onde se conclui que são classificadas como Investimentos as participações permanentes em outras sociedades e todas as contas das quais a empresa não quer se desfazer (vender) e que não foram adquiridas para uso, que não são destinadas a desenvolver atividades na empresa. Assim, estes ativos são ativos para especulação, para obter ganhos através da incerteza. Por isso, são classificados como Investimentos.

O Conselho Federal de Contabilidade, em vez de orientar os profissionais no desempenho de suas atividades, aplicando corretamente a lei e dizendo onde as contas devem ser classificadas segundo as normas legais, acaba por criar outros grupos, não previstos na lei, o que confunde bastante os contadores.

Veja esta pergunta que caiu no Exame de Suficiência (2ª ed./2019, tipo 01, branca): “13 A empresa A adquiriu um terreno com a finalidade de mantê-lo em seu patrimônio para fins de valorização de capital a longo prazo, não pretendendo vendê-lo a curto prazo no curso ordinário dos negócios da entidade. A empresa A sabe que no longo prazo é provável que os benefícios econômicos futuros associados a esse terreno fluirão para a entidade e o seu custo pode ser mensurado confiavelmente. Ainda, a empresa A não almeja utilizá-lo na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas. Com base nas informações apresentadas e considerando a Norma Brasileira de Contabilidade NBC TG 28 (R4), este terreno deverá ser reconhecido no patrimônio da empresa A como: A) Imobilizado. B) Propriedade para Investimento. C) Investimento Temporário a Longo Prazo. D) Ativo Não Circulante Mantido para Venda.”

Segundo o que estabelece a lei, conforme vimos acima, este terreno deveria ser classificado no grupo de Investimentos. Entretanto, este grupo não consta no gabarito, mas outros grupos não previstos na lei, tais como: Propriedade para investimento; Investimento Temporário a Longo Prazo e Ativo Não Circulante Mantido para Venda. O Conselho Federal de Contabilidade vem, há anos, editando normas que contrariam as leis brasileiras e que transformam as demonstrações contábeis em documentos de fácil manipulação. Por isso, a intervenção do Ministério Público Federal se faz necessária, para que o Conselho Federal de Contabilidade comece a cumprir as normas legais. Isso daria um basta na insubordinação jurídica daquela autarquia federal e as demonstrações contábeis ficariam mais protegidas e seriam menos passíveis de manipulação.

 

* Salézio Dagostim é contador; pesquisador contábil; professor da Escola Brasileira de Contabilidade (EBRACON); autor de livros de contabilidade; fundador e ex-presidente do Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul e da APROCON CONTÁBIL-RS; presidente de honra da Confederação dos Profissionais Contábeis do Brasil – APROCON BRASIL, e sócio do escritório contábil estabelecido em Porto Alegre (RS), Dagostim Contadores Associados, à Rua Dr. Barros Cassal, 33, 11º andar. E-mail para contato: salezio@dagostim.com.br

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