Por Salézio Dagostim*
Vem sendo amplamente divulgado nas redes sociais que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende privatizar os conselhos profissionais, conforme PEC 108/2019 encaminhada ao Congresso Nacional.
Se perguntarmos aos contadores se eles desejam que o seu conselho seja privatizado, a maioria dirá que “sim”. No entendimento destes profissionais, o Conselho de Contabilidade serve apenas para cobrar anuidades e dificultar o trabalho dos pequenos escritórios (para que não façam concorrência com os grandes). De fato, os recursos arrecadados pelo Conselho não vêm sendo aplicados em serviços úteis à profissão, em sua defesa e proteção, mas para satisfazer os interesses dos seus dirigentes.
Acontece que o Conselho de Contabilidade foi criado para controlar e fiscalizar o exercício profissional, já que o “patrão” (contratante dos serviços) não pode interferir na execução do trabalho dos profissionais contábeis. Aliás, esta é uma atribuição de todos os conselhos profissionais, pois compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. O trabalho dos profissionais liberais não está subordinado aos interesses dos seus empregadores, mas é supervisionado pelo conselho profissional respectivo, vinculado a um dos ministérios do Poder Executivo.
O ministro Paulo Guedes não quer apenas a privatização dos conselhos profissionais, mas que a União deixe de inspecionar e de regular o trabalho dos profissionais liberais. Esta afirmativa está contida na PEC 108/19, quando inclui o art. 174-A na Constituição Federal, segundo o qual: “A lei não estabelecerá limites ao exercício de atividades profissional ou obrigação de inscrição em conselho profissional sem que a ausência de regulação caracterize risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social.”
Em outras palavras, o Estado não mais estabelecerá limites ao exercício profissional, a menos que haja risco concreto à vida, saúde, segurança ou à ordem social. Mas o que se entende por “risco concreto”? Quais seriam os limites e a abrangência deste conceito? E o que acontecerá com as profissões e os profissionais?
Além disso, a PEC 108/19, através da inclusão do art. 174-B na Constituição, estabelece que os conselhos profissionais passarão a ser pessoas jurídicas de direito privado; ou seja, a entidade passará a ter dono. Mas a cobrança das anuidades e multas será mantida.
Sendo assim, em função da extinção da subordinação da União quanto à organização, manutenção e execução da inspeção do trabalho dos profissionais liberais, o autor deste artigo é contrário à aprovação da PEC 108/19 pelo Congresso Nacional.
O Estado precisa reassumir o papel de normatizador dos conselhos profissionais, recuperando as funções de organizador, mantenedor e executor da fiscalização das profissões regulamentadas, para que os conselhos voltem a funcionar conforme o estabelecido na lei, em benefício do interesse público e da sociedade.
Para tanto, é preciso que o Governo Federal encaminhe uma proposta legislativa regulando o funcionamento dos conselhos profissionais existentes. Nesta proposta, devem constar as diretrizes sobre a criação dos novos conselhos; sobre a contratação de funcionários e os limites remuneratórios individuais e coletivos destas entidades; sobre quem pode votar e quem pode concorrer ao cargo de conselheiro, o tempo de mandato, a forma de eleição e de remuneração; sobre o valor máximo das taxas, anuidades e multas; sobre o princípio da transparência, a prestação de contas e a fiscalização; sobre quem autoriza a compra e venda de imóveis; sobre a delimitação dos poderes de fiscalização e a aplicação das sanções disciplinares.